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Auditoria nacional revela fragilidades na priorização da política da primeira infância em 23 estados e 155 municípios

29/08/2025

Em nível estadual, também foram apontados ausência de mecanismos de governança para apoiar os municípios e desafios para melhorar a intersetorialidade - Foto: Thiago Rios/TCEMG

O 2º Encontro Nacional da Primeira Infância (Enapi) trouxe, nesta sexta-feira (29/8), último dia da programação, os resultados de uma auditoria operacional, coordenada nacionalmente, com envolvimento de quase todos os tribunais de contas brasileiros. A ação avaliou a situação da Estratégia de Saúde da Família (ESF) e do Programa Criança Feliz (PCF) em 155 municípios, de 23 estados. Os dados indicaram fragilidades, como é o caso de Minas Gerais, que sequer possui um Plano Estadual para a Primeira Infância, e nem mesmo aderiu oficialmente ao PCF.

"O Marco da Primeira Infância é de 2016. São quase dez anos de marco e Minas ainda não tem um plano estadual. Alguns municípios já se adiantaram e possuem, mas fizeram isso sem referência”, alertou a auditora de Controle Externo do Tribunal de Contas de Minas Gerais (TCEMG), Cristiane Lehnen, em apresentação de recorte detalhado da auditoria em MG.

Em nível estadual, também foram apontados ausência de mecanismos de governança para apoiar os municípios e desafios para melhorar a intersetorialidade.

“Um dos papéis do Estado é analisar a execução do programa (Criança Feliz), por meio do monitoramento da execução pelos municípios. Como eles estão executando? Temos mais de 300 municípios informando que executam o programa, mas será que estão mesmo? O Estado não faz esse papel em Minas Gerais", sinalizou Cristiane.

O auditor de Controle Externo do TCEMG, Daniel Gama, falou, na sequência, sobre os resultados observados nas administrações públicas das cidades.

"Nos municípios que analisamos até o momento, há uma completa ausência de plano de ação atualizado do programa Criança Feliz. E, se não há um plano de ação, os relatórios de monitoramento também são insuficientes", afirmou. “Os municípios têm o quantitativo das visitas domiciliares, mas não há, por exemplo, relatórios sobre o impacto dessas visitas nas famílias e no desenvolvimento das crianças", explicou Daniel.

Falhas significativas

Até aqui, 439 municípios mineiros forneceram informações à equipe do TCEMG. Desses, apenas 58 possuem Comitê Intersetorial da Primeira Infância e, deles, somente sete realizaram pelo menos uma reunião nos últimos seis meses. Do total, 150 são elegíveis para o Programa Criança Feliz, mas não aderiram; apenas 61% das famílias elegíveis são efetivamente atendidas pelo PCF; e 58% dos municípios relataram que as equipes de Saúde da Família desconhecem o funcionamento do outro programa.

A auditoria em Minas Gerais detectou, também, baixa execução e descontinuidade do PCF, desvios de função dos Agentes Comunitários de Saúde (ESF) e, ainda, a prática de ‘visitas remotas’, o que descaracteriza completamente a proposta e essência dos programas.

"Visita domiciliar é uma oportunidade que a gestão tem para identificar vulnerabilidades. A oportunidade que o profissional tem, ali, de identificar, talvez, uma alimentação inadequada, higiene não adequada, inclusive casos de violência doméstica, abuso. Então, eles perdem essa oportunidade (ao deixar de ir a campo)", disse Daniel.

Outro desafio, segundo o auditor, é ‘fazer com que as gestões – tanto a local quanto a estadual – encarem esses programas como política pública contínua, e não como ações pontuais vinculadas à adesão e recebimento de recursos’.

Em contrapartida, algumas boas práticas foram destacadas pelos palestrantes, como a inclusão de profissional especializada em aleitamento materno na atenção primária, atendendo gestantes e mães no pós-parto (Santo Antônio do Montes); e a realização de monitoramento de dados e análises dos impactos do PCF quanto ao desenvolvimento das crianças atendidas (Sabará). A percepção das famílias beneficiárias foi outro ponto positivo relatado pela equipe.

"Isso demonstra o potencial desses dois programas que, se bem executados, podem fazer uma diferença muito grande tanto na vida das crianças quanto na das mães", enfatizou Gama.

Continuidade

O Tribunal de Contas de Minas Gerais tem como objetivo expandir a ação e alcançar as 12 mesorregiões do estado. Para isso, já solicitou informações aos 853 municípios. "Para a gente, este trabalho não terminou. O estado é muito grande”, ressaltou Cristiane. “A ampliação vai permitir um diagnóstico abrangente da situação dos programas em todo o território”, disse.

Sobre a meta, o mediador do painel dedicado aos dados de Minas Gerais, o conselheiro-presidente do TCEMG, Durval Ângelo, foi taxativo. “O Tribunal vai chegar aos 853 municípios. Todos serão auditados na questão da primeira infância. A primeira etapa em que estamos é essa, de conscientização, de orientação. Vamos insistir nisso nesse momento, mas, se necessário, o Tribunal atuará também com sanções, pois as crianças não podem esperar”.

O conselheiro-presidente do TCEMG, Durval Ângelo, reforçou que a auditoria chegará aos 853 municípios mineiros - Foto: Thiago Rios/TCEMG

Desempenho nacional

Os resultados da “Auditoria Operacional em Primeira Infância, nas visitas domiciliares, da Estratégia de Saúde da Família e do programa Primeira Infância no SUAS/Criança Feliz” foram divulgados na abertura deste terceiro e último dia do encontro. Sob mediação do coordenador nacional do Comitê Técnico da Primeira Infância (CTPI-IRB) e assessor para Primeira Infância do Tribunal de Contas do Estado de Goiás (TCEGO), Antônio Halim Girade, o momento foi dedicado à explicação sobre a idealização da auditoria, seus critérios, metodologia e resultados.

O coordenador nacional do Comitê Técnico da Primeira Infância do Instituto Rui Barbosa (CTPI-IRB), Antônio Girade - Foto: Thiago Rios/TCEMG“Os dois programas fortalecem as competências familiares para cuidar de suas crianças na primeira infância. Eles podem mudar a vida da criança para melhor, porque os visitadores domiciliares conhecem as famílias, sabem de suas realidades, são das comunidades”, destacou Girade. “Foi necessário saber se essas políticas públicas – que chegam a 170 milhões de brasileiros – estão atingindo seus objetivos, se os recursos são bem utilizados, como funcionam e saber o que pode ser melhorado”.

Quatro linhas de investigação foram consideradas: planejamento e monitoramento; execução das ações; articulação intersetorial; recursos e ferramentas. Os principais desafios revelados nacionalmente foram fragilidade na priorização da política da primeira infância; baixa articulação intersetorial; e déficits de monitoramento e avaliação. Atuaram no processo 57 equipes e 152 servidores de tribunais de contas.

"Quando a gente avalia a política pública, precisa olhar para além dos números, principalmente quando a gente fala de política pública que entra na casa das pessoas, que chega onde quase nenhuma política chega. Porque, quando a gente entra na casa das pessoas, a gente encontra olhares, rostos, vozes e sonhos. Porque, para além dos números, estão as vidas", afirmou o auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas de Pernambuco (TCEPE), Diego Maciel.

Como recomendações, os auditores falaram sobre a garantia de recursos, qualificação do planejamento, manutenção de ações permanentes de formação continuada, além da adoção de estratégias de busca ativa para as famílias mais vulneráveis.

Também falaram sobre o processo e desenvolvimento da pesquisa os auditores de Controle Externo do Estado de Rondônia (TCERO), Bruno Piana, e do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP), Roberta Veras e Vanderlei Marsola.

1, 2, 3 e já

Ainda nesta sexta-feira (29/8), o TCEMG mostrou aos participantes, em primeira mão, o novo portal que irá lançar em setembro, inteiramente dedicado à temática da primeira infância.

“Infância em primeiro lugar. O portal “1, 2, 3 e já” é extremamente lúdico, responsivo, e permite que a gente trate de várias informações sobre o tema”, enfatizou o diretor-geral do TCEMG, Gustavo Vidigal.

A página vai reunir, por exemplo, recomendações e orientações sobre como os gestores e servidores podem atuar, dados e indicadores para tomada de decisões, tudo isso com linguagem simples e adaptável a diversas modalidades de mídia.

Os detalhes da nova ferramenta da corte mineira foram explicados pelas auditoras de Controle Externo Sílvia de Araújo e Renata Machado. O momento marcou, também, breve explanação da auditora Tatiana Hoshika, da Diretoria de Fiscalização Integrada e Inteligência (Suricato), sobre o indicador Prisma, desenvolvido pelo tribunal para monitorar o desempenho das políticas relacionadas à primeira infância (clique aqui para ler sobre o índice).

Objetivo do TCEMG é disponibilizar o site para o público em setembro - Imagem: Reprodução

Compromissos e encerramento

A Carta de BH chegou ao público de uma maneira diferente, em formato de cordel. O documento aborda recomendações e ações discutidas ao longo dos três dias de evento, com pactuações firmadas para fortalecer as redes de atenção e as próprias políticas públicas direcionadas a crianças de 0 a 6 anos. "Nossa carta é esse compromisso de ter esse encontro como ponto de chegada e ponto de partida", ressaltou Durval Ângelo.

As perspectivas dialogam, também, com a apresentação feita pela secretária de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado de Goiás (TCEGO), Ana Paula Rocha, que expôs uma pesquisa da evolução do trabalho realizado desde a primeira edição. São exemplos de recomendações o estabelecimento de programas contínuos de capacitação e sensibilização, fomento da participação da sociedade civil, fiscalizar a efetiva articulação intersetorial entre os setores envolvidos, entre outras.

"O objetivo principal é fortalecer e fomentar como é importante a atuação dos tribunais de contas como indutores de melhorias das políticas públicas. A questão da primeira infância é a prova viva disso", pontuou Ana Paula.

O encontro foi encerrado com um chamado do conselheiro-presidente do TCEGO, Helder Valin, para o próximo encontro, em Goiânia, em 2026. A carta dele foi lida pelo anfitrião, Durval Ângelo.

"Esperamos vocês para, juntos, seguirmos fazendo história, para tocar corações e mentes, abrir os olhos de gestores públicos, mostrar a importância do carinho, do afeto, do apoio às famílias e de políticas públicas baseadas nas melhores evidências, para fazermos a diferença na vida das próximas gerações", convidou o conselheiro goiano.

Durval Ângelo finalizou a edição com um agradecimento a todos os palestrantes, Grupo Parangolé, representantes do IRB, da Atricon, dos tribunais e ministérios públicos de contas. Particularmente, deixou uma mensagem aos servidores e servidoras do TCEMG que atuaram para viabilizar o encontro.

"Durante seis meses, vocês respiraram, comeram, dormiram e viveram o 2º Enapi. Acho que, realmente, as coisas só funcionam se forem feitas em equipe, em grupo. Muito obrigado a todos!", concluiu. 

A edição do encontro nacional em Minas Gerais registrou público de 1,8 mil pessoas, sendo 1,3 mil somente no primeiro dia. Os participantes vieram de 26 estados (só faltou Piauí), com 281 municípios representados. Os dados são da organização do evento.