O Informativo de Jurisprudência do TCEMG consiste em resumos elaborados a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Câmaras e do Tribunal Pleno, mas não se trata de repositório oficial de jurisprudência. Contém, ainda, seleção de ementas publicadas no Diário Oficial de Contas (DOC) e matérias selecionadas oriundas do STF, do STJ, do TCU e do TJMG.
Trata-se de Consulta formulada por prefeito do Município, nos seguintes termos:
“1 - A contratação de profissional para atender situação de excepcional interesse público pode ser justificada na necessidade de substituição de servidor licenciado, sem remuneração, para trato de interesse particular?
2 - Considerando que o art. 37, IX da Constituição Federal estabelece que a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, a legislação municipal pode prever a licença sem vencimentos, para trato de interesse particular, como hipótese justificadora da contratação prevista no dispositivo constitucional mencionado? ”.
Preliminarmente, a Consulta foi admitida, por unanimidade. No tocante ao mérito, o relator, conselheiro em exercício Adonias Monteiro, asseverou que o afastamento de servidor público para tratar de interesses particulares, sem remuneração, é uma das modalidades de licença que poderá ser concedida ao servidor estável, a critério da Administração.
Além disso, o relator destacou que tal afastamento consubstancia-se por meio de ato administrativo discricionário, uma vez que, mesmo implementados os requisitos legalmente exigidos para tanto, se faz necessária a observância à conveniência e à oportunidade da Administração, sem se descuidar da supremacia do interesse público.
Ainda, frisou que a licença para tratar de interesses particulares – LIP é tratada, no âmbito do Município de Belo Horizonte, no art. 158 da Lei n. 7.169/1996, que institui o estatuto dos servidores públicos do quadro geral de pessoal do Município de Belo Horizonte vinculados à administração direta, e no art. 12 do Decreto n. 9.371/1997, que regulamenta as licenças previstas nos arts. 140 a 163 da Lei 7.169/1996, que aprova os formulários de solicitação de licença constantes nos anexos e dá outras providências.
No que tange às contratações temporárias, registrou-se que a prévia aprovação em concurso público é a regra para o ingresso no serviço público, e os municípios podem, excepcionalmente, em face de situações emergenciais e temporárias, desde que atendidos os requisitos das respectivas legislações municipais, contratar temporariamente profissionais como meio de garantia da continuidade e da eficiência dos serviços prestados pelo Poder Público, conforme estabelecido pelo art. 37, inciso IX, da Constituição da República.
Ademais, a Unidade Técnica se valeu da Lei Estadual n. 23.750/2020, art. 3º, inciso V, e da Lei Municipal de Belo Horizonte n. 11.175/2019, art. 2º, inciso IV − as quais dispõem sobre a contratação temporária por excepcional interesse público nos órgãos da Administração Direta do Poder Executivo, suas autarquias e fundações − para fundamentar o seu entendimento pela possibilidade de contratar temporariamente, por excepcional interesse público com a finalidade de substituição de servidor licenciado para tratar de assuntos particulares. Dessa forma, entendeu que, ainda que a LIP não conste de forma expressa como uma das hipóteses autorizadoras de contratação temporária, encontra-se abarcada pelas legislações citadas, haja vista tratar-se de uma das hipóteses de afastamento temporário do servidor efetivo.
Em conformidade com a Unidade Técnica, o relator entendeu que a LIP pode ser deferida diante de diversas perspectivas, não alcançadas pelas demais licenças previstas no respectivo estatuto dos servidores públicos.
Além disso, ainda em consonância com a manifestação da Unidade Técnica, o relator entendeu que é possível a contratação temporária por excepcional interesse público em substituição a servidor licenciado sem remuneração, para tratar de interesses particulares, desde que exista previsão de tal hipótese em lei local do respectivo ente, observados os demais requisitos previstos na Constituição da República de 1988 e na legislação de regência para tal contratação.
Em sessão plenária do no dia 31/8/2022, o parecer da Consulta foi aprovado, por maioria de votos. Vencidos os conselheiros Cláudio Couto Terrão e Gilberto Diniz.
Ao final, o Tribunal Pleno, fixou prejulgamento de tese, com caráter normativo, no sentido de que:
No mérito, voto para que seja fixado prejulgamento de tese, com caráter normativo, nos seguintes termos: é possível a contratação temporária por excepcional interesse público em substituição a servidor licenciado, sem remuneração, para tratar de interesses particulares, desde que exista previsão de tal hipótese em lei local do respectivo ente, observados os demais requisitos previstos na Constituição da República de 1988 e na legislação de regência para tal contratação.
(Processo 1114748 – Consulta. Rel. Cons. em exercício Adonias Monteiro. Tribunal Pleno. Deliberado em 31/8/2022)
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Trata-se de Denúncia, com pedido liminar de suspensão do certame, em face de irregularidades em processos licitatórios na modalidade Pregão Presencial, promovido por consórcio intermunicipal de saúde, que teve por objeto a contratação de empresa especializada para prestação de serviços de consultas médicas na especialidade Dermatologia.
No mérito, o relator conselheiro substituto Hamilton Coelho, após as manifestações das unidades técnicas e do Parquet de Contas, manifestou pela procedência da denúncia e entendeu pela procedência dos seguintes apontamentos: 1) Irregularidade na condução do Pregão Presencial; e 2) Falha na pesquisa de preços para elaboração do orçamento estimativo do certame.
Em análise, quanto a irregularidade na condução do Pregão Presencial, o relator entendeu que, perante a inabilitação ou desclassificação do primeiro colocado, o Pregoeiro deveria analisar as propostas subsequentes e convocar a licitante remanescente que atenda aos requisitos do edital para negociação do seu preço. Uma vez convocada, a empresa não estaria vinculada ao valor ofertado pelo primeiro colocado. Com efeito, se a proposta do licitante remanescente cumprisse os requisitos do edital deveria, necessariamente, ser aceita pela Administração Pública, salvo se aquele, na fase de negociação, aceitar reduzir o seu preço.
Destacou, todavia, que a pregoeira não convocou a segunda colocada para negociar, mas para manifestar interesse em prestar os serviços pelo mesmo preço do autor da melhor proposta. Não bastasse, a responsável reconheceu expressamente, ao apresentar esclarecimentos nestes autos, que constatou a compatibilidade da proposta da denunciante com as condições previstas no edital e com a realidade do mercado, viabilizando a sua participação na etapa seguinte do procedimento licitatório.
A Unidade Técnica ainda asseverou que a doutrina orienta quanto ao procedimento adequado para a condução de licitações na modalidade pregão, interpretando os limites impostos pela lei à atuação dos gestores públicos.
Quanto à falha na pesquisa de preços para elaboração do orçamento estimativo do certame, recebidas as alegações da denunciada, a Unidade Técnica reconheceu que a Lei n. 8.666/1993 não vincula os gestores a utilizarem a pesquisa direta com fornecedores para balizarem os preços estimados no edital, mas frisou não ter sido esse o cerne da irregularidade em tela, e sim a necessidade de se recorrer a outras fontes de pesquisa de preços. Sustentou, portanto, que o dispositivo legal em tela não comporta dúvidas de interpretação, motivo pelo qual não há que se cogitar da hipótese prevista no art. 22 da LINDB , como requerido pela denunciada em sua defesa.
Nesse diapasão, o relator constatou que o cerne do apontamento está relacionado a possíveis falhas na fase interna da licitação, especificamente ao risco de que o preço estimado pela Administração não refletisse os valores praticados no mercado.
Verificou, ainda, que os preços estimados no edital resultaram de levantamento realizado em outros dois entes públicos, cuja tabela indica o valor de R$49,00 e de R$65,00. Tomou-se por base, ainda, o valor de R$52,00, decorrente de contratação anterior firmada pela entidade promotora do certame com a clínica denunciante.
O Tribunal de Contas da União defende que as estimativas devem basear-se em uma “cesta de preços aceitáveis”, e orienta a não se ater à pesquisa com três fornecedores, que pode não refletir a realidade do mercado.
Ao final, em consonância com a Unidade Técnica e o Ministério Público junto ao Tribunal, o relator, conselheiro substituto Hamilton Coelho, após analisar os esclarecimentos da denunciada, com relação às irregularidades na condução do Pregão Presencial, entendeu-as procedentes e propôs multa de R$2.000,00 à pregoeira, diante da ofensa grave ao disposto no art. 4º, incisos XVI e XVII da Lei n. 10.520/2002.
Além disso, em face das circunstâncias do caso concreto e inexistindo nos autos indícios de que os valores estimados na licitação não condizem com a realidade do mercado ou de prejuízo à Administração, o relator apenas recomendou ao presidente do consórcio intermunicipal de saúde que, em futuros procedimentos, amplie a consulta a número significativo de fornecedores e lance mão de outras fontes, tais como preços registrados, licitações e contratos recentes de outros entes, de modo a assegurar a representatividade da pesquisa de mercado.
A proposta de voto do relator foi aprovada por maioria de votos. Vencido o conselheiro Gilberto Diniz.
(Processo 1101543 – Denúncia. Rel. Cons. Subst. Hamilton Coelho. Primeira Câmara. Deliberado em 30/8/2022)
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Trata-se de Auditoria realizada à distância por prefeito municipal à época para verificar os saldos de disponibilidade de caixa informados pelo Município no SICOM ao final da gestão 2017/2020, em especial os vinculados à saúde e educação conforme disposto no art. 42da Lei Complementar n. 101/2000.
Em síntese, a defesa apresentada se baseou no fato de a pandemia provocada pelo vírus da Covid-19 ter desestabilizado as contas públicas com tamanho grau de severidade que não seria possível responsabilizar o gestor pelos restos a pagar sem disponibilidade financeira.
A Unidade Técnica ponderou que, embora seja relevante a argumentação no sentido de que a pandemia provocou intensas dificuldades na Administração Pública, a metodologia da Auditoria levou em consideração o no art. 42 da Lei Complementar n. 101/2000, mencionado pelo defendente, procedendo às devidas exclusões dos gastos inscritos em restos a pagar derivados dos empenhos emergencialmente realizados em função da Covid-19.
No mérito, o relator, conselheiro Wanderley Ávila, após as manifestações das unidades técnicas e do Parquet de Contas, entendeu que embora o responsável invoque as dificuldades de gestão no exercício de 2020 em função da pandemia, o legislador procurou, naquele exercício, mitigar os impactos orçamentários e financeiros do contexto econômico vivido em função da Covid-19, bem como sua influência na avaliação dos resultados da gestão dos agentes públicos. Essa é a razão de ser da Lei Complementar n. 173/2020, que incluiu à LRF o art. 65, § 1º, II, que previu o afastamento da vedação do art. 42, caso fosse demonstrado que os recursos utilizados o fossem no combate à calamidade.
Ademais, o legislador foi enfático em relação à condição para o afastamento da norma proibitiva de gastos nos dois últimos quadrimestres do último exercício de mandato: os recursos deveriam ser gastos com o combate à pandemia, de maneira que é impossível ampliar a interpretação do dispositivo legal, como deseja o responsável, permitindo que todas as despesas realizadas sejam consideradas isentas em relação aos limites do art. 42 da LRF.
Dessa forma, o relator votou pela procedência da auditoria e entendeu pela improcedência dos seguintes apontamentos: 1) quanto às tabelas apresentadas; 2) quanto à aplicação do princípio da insignificância; 3) quanto à boa-fé suscitada pelo responsável; 4) quanto eventual boa-fé do gestor.
Destarte, o relator acolheu integralmente a análise técnica, os cálculos apresentados, o montante dos “restos a pagar” inscritos sem disponibilidade financeira. Ainda, asseverou que o art. 42 da LRF visa claramente evitar o endividamento do ente federado.
Sobre o novo pedido de vista requerido pela defesa caso não se considerassem os empenhos elencados como gastos em função da Covid-19, o relator, em consonância com o aduzido pela Unidade Técnica, entendeu que as informações prestadas no Sistema Informativo de Contas dos Municípios – Sicom - são de responsabilidade do gestor, devendo seu preenchimento corresponder fidedignamente aos dados constantes da contabilidade municipal, conforme o art. 7º da Instrução Normativa n. 10/2011.
Além disso, esclareceu que a Instrução Normativa n. 10/2011, dispõe sobre a remessa de informações relativas à execução orçamentária ao Tribunal por meio do Sicom e não há presunção qualquer na análise dos dados obtidos nesta auditoria, tendo sido garantido ao jurisdicionado o devido acesso ao contraditório, de maneira que, caso verificada qualquer impropriedade nos dados do Sicom, ele poderia perfeitamente desconstitui-la por meio do envio da documentação correta, não o tendo feito, todavia.
Ao final, o relator votou pela procedência do apontamento constante do relatório técnico da Auditoria, e aplicou multa ao Prefeito Municipal à época, no valor de R$5.000, tendo em vista que o responsável não obedeceu ao disposto no caput do art. 42 da Lei Complementar n. 101/2000, e contraiu obrigações em desacordo com o disposto no citado artigo, correspondentes à importância de R$244.879,80.
O voto do relator foi aprovado por maioria de votos. Vencido o Conselheiro Cláudio Terrão.
(Processo 1109977 – Auditoria. Rel. Cons. Wanderley Ávila. Segunda Câmara. Deliberado em 30/8/2022).
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CONSULTA. PREFEITURA MUNICIPAL. CANCELAMENTO DE RESTOS A PAGAR. UTILIZAÇÃO DO VALOR COMO RECURSO DE SUPERÁVIT FINANCEIRO. UTILIZAÇÃO DO SUPERÁVIT FINANCEIRO GERADO COMO FONTE PARA ABERTURA DE CRÉDITOS ADICIONAIS NO EXERCÍCIO VIGENTE. IMPOSSIBILIDADE. ARQUIVAMENTO.
1. O valor do cancelamento de restos a pagar de uma determinada fonte não pode servir como recurso de superávit financeiro no ano em que houve o cancelamento dos restos a pagar, uma vez que a apuração do resultado é realizada no balanço patrimonial do exercício anterior, conforme dispõe o § 1º, inciso I, do art. 43 da Lei n. 4.320/1964.
2. Caso seja possível o cancelamento de restos a pagar, observado o estágio da despesa, o valor contribui para formação do superávit financeiro do exercício em que ocorrer o cancelamento, em razão da recomposição da disponibilidade por destinação de recursos e da redução do passivo financeiro no exercício.
3. O superávit financeiro gerado pelo cancelamento dos restos a pagar poderá ser utilizado como fonte para a abertura de créditos adicionais apenas no exercício seguinte.
(Processo 1114733 – Consulta. Rel. Cons. em exercício Adonias Monteiro. Deliberado em 17/8/2022. Publicado no DOC em 25/8/2022)
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AUDITORIA. PREFEITURA MUNICIPAL. DESPESAS CONTRAÍDAS NOS DOIS ÚLTIMOS QUADRIMESTRES DO MANDATO DO CHEFE DO EXECUTIVO. INSUFICIÊNCIA FINANCEIRA. INOBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ART. 42 DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL. PROCEDÊNCIA. APLICAÇÃO DE MULTA. ARQUIVAMENTO.
1. É vedado ao titular do Poder Executivo Municipal contrair, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que não tenha suficiente disponibilidade de caixa para pagá-la no exercício seguinte, nos termos do art. 42, caput, da Lei de Responsabilidade Fiscal.
2. Com fundamento no disposto no art. 85, inciso II, da Lei Complementar n. 102/2008, cabe aplicação de multa por ato praticado com grave infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial.
(Processo 1107649 – Auditoria. Rel. Cons. Subst. Adonias Monteiro. Deliberado em 9/8/2022. Publicado no DOC em 2/9/2022)
AUDITORIA OPERACIONAL. PREFEITURA MUNICIPAL. AVALIAÇÃO DAS AÇÕES DO MUNICÍPIO PARA O ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. ACHADOS DE AUDITORIA. DEFICIÊNCIAS NA GESTÃO. RECOMENDAÇÕES E DETERMINAÇÃO. FIXAÇÃO DE PRAZO PARA ENVIO DE PLANO DE AÇÃO.
1. A pertinência das informações sintetizadas no relatório de Auditoria Operacional decorre da adequação de todas as etapas de pesquisa, desde o planejamento, o levantamento de dados, a realização de entrevistas, a aplicação de questionários e o trabalho de campo relacionados ao escopo.
2. O combate à violência doméstica contra as mulheres demanda proatividade dos mais variados setores públicos envolvidos com as ações de assistência social, segurança, saúde, educação, formação de parcerias com entidades da sociedade civil, justiça e garantia de direitos.
3. O assolamento da violência doméstica perpassa pela desconstrução de estereótipos perpetuadores de cultura, atitudes, imposição de silêncio, banalização do tema e valores éticos, de maneira a erradicar a tolerância da sociedade brasileira em relação a esta triste e grave realidade.
(Processo 1098288 – Auditoria Operacional. Rel. Cons. Subst. Hamilton Coelho. Deliberado em 23/8/2022. Publicado no DOC em 2/9/2022)
REPRESENTAÇÃO. PRELIMINARES. PEDIDO DE “DECRETAÇÃO DE REVELIA”. AUSÊNCIA DE RESPALDO LEGAL. ALEGAÇÃO DE NULIDADE POR AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. REJEIÇÃO. VALIDADE DA CITAÇÃO REALIZADA POR VIA POSTAL. MÉRITO. ILEGALIDADES PRATICADAS POR PRESIDENTE DA CÂMARA. PAGAMENTOS SEM RESPALDO EM EFETIVA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. DANO AO ERÁRIO. RESSARCIMENTO. AUSÊNCIA DE REPASSE DOS IMPOSTOS RETIDOS NA FONTE PELA CÂMARA MUNICIPAL. OMISSÃO DO PRESIDENTE DA CÂMARA EM REGULARIZAR PENDÊNCIAS DA CASA LEGISLATIVA. SITUAÇÃO IRREGULAR DO MUNICÍPIO NO CAGEC. IRREGULARIDADES. APLICAÇÃO DE MULTAS. DETERMINAÇÃO.
1. A decretação de revelia, em “decreto” autônomo ou decisão interlocutória, não encontra respaldo normativo ou consuetudinário no âmbito desta Corte de Contas. A Lei Orgânica e o Regimento Interno preveem a faculdade de o julgador, ao apreciar o mérito, tomar os efeitos da revelia como um dos elementos de convicção na apreciação de atos de gestão e de governo, nos limites do princípio do livre convencimento.
2. É válida a citação pela via postal, com aviso de recebimento entregue no endereço correto do destinatário, mesmo que recebida por terceiros, nos termos do § 2º do art. 166, regimental.
3. Àquele que der causa à lesão ao erário imputa-se a obrigação de ressarcimento para restabelecer o status quo ante dos recursos públicos.
4. Os valores arrecadados pelo Poder Legislativo, de prestadores de serviços contratados, a título de imposto de renda na fonte, deverão ser repassados à conta do Tesouro Municipal.
(Processo 1047604 – Representação. Rel. Cons. Subst. Hamilton Coelho. Deliberado em 9/8/2022. Publicado no DOC em 22/8/2022)
DENÚNCIA. CÂMARA MUNICIPAL. PREGÃO PRESENCIAL. FORNECIMENTO, MEDIANTE LOCAÇÃO, DE SISTEMAS INTEGRADOS DE INFORMÁTICA DESTINADOS AO PROCESSO LEGISLATIVO. PRELIMINARES. INÉPCIA DA INICIAL. DENÚNCIA NÃO SUFICIENTEMENTE INSTRUÍDA. REJEIÇÃO. ILEGITIMIDADE PASSIVA. SOCIEDADE EMPRESÁRIA. DIREITO À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO À INTERESSADA. POSSÍVEL AFETAÇÃO POR DECISÃO DESFAVORÁVEL. REJEIÇÃO. VÍCIO NA REPRESENTAÇÃO DA DENUNCIANTE. PRESENÇA DE IRREGULARIDADES. IMPEDIMENTO AO EXERCÍCIO DO CONTROLE EXTERNO. QUESTÃO DE ORDEM. CONVERSÃO DOS AUTOS DE DENÚNCIA EM REPRESENTAÇÃO. ACOLHIMENTO. REQUERIMENTO DE PROVA TESTEMUNHAL. IMPOSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA E REGIMENTO INTERNO. REJEIÇÃO. MÉRITO. EXIGÊNCIA DE NÚMERO MÍNIMO DE ATESTADOS DE CAPACIDADE TÉCNICA. POSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO. EXIGÊNCIA DE VISITA TÉCNICA. PECULIARIDADES DO OBJETO. IMPOSSIBILIDADE DE QUE TODAS AS INFORMAÇÕES PERTINENTES E NECESSÁRIAS À FORMULAÇÃO DE PROPOSTAS ESTEJAM DESCRITAS NO EDITAL. JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. CABIMENTO. FIXAÇÃO DE CLÁUSULA COM PREVISÃO DO PREÇO MÁXIMO. FACULDADE. IMPROCEDÊNCIA. AUSÊNCIA DE ORÇAMENTO DA CONTRATAÇÃO NOS AUTOS DO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. FASE INTERNA DA LICITAÇÃO. OBRIGATORIEDADE. IRREGULARIDADE. PROCEDÊNCIA. ERRO GROSSEIRO. APLICAÇÃO DE MULTA. ARQUIVAMENTO.
1. Abordados na denúncia, de forma objetiva, os fatos, a autoria, as circunstâncias e os elementos de convicção, e estando a exordial instruída com os documentos que comprovariam as alegações da denunciante, que, inclusive, foram explorados não só pela Unidade Técnica como pelo Parquet Especial, consideram-se preenchidos os requisitos de admissibilidade, nos termos do art. 301, § 1º, do Regimento Interno desta Corte.
2. A citação da sociedade empresária contratada para integrar a relação processual tem como finalidade resguardar o direito à ampla defesa e ao contraditório à interessada eventualmente afetada por decisão a ser proferida no processo de contas, uma vez que poderá sofrer efeitos reflexos de eventual decisão desfavorável que vier a ser proferida por este Tribunal, motivo pelo qual é parte legítima para figurar no processo em trâmite nesta Corte.
3. Vícios na peça inicial da denunciante impedem o exercício do controle externo por este Tribunal de Contas acerca de atos praticados pela Administração Pública. Todavia, é cabível a aplicação do art. 70, § 1º, II e VI, da Lei Complementar Estadual n. 102/2008, que confere legitimidade ao Ministério Público de Contas e às Unidades Técnicas desta Corte para representar ao Tribunal sobre irregularidades envolvendo matéria de competência do TCEMG, admitindo, portanto, a conversão dos autos de denúncia em representação, em observância à jurisprudência do Tribunal de Contas da União, haja vista a confirmação dos apontamentos de irregularidade da denúncia pela Unidade Técnica em sua análise, bem como os apontamentos de irregularidade apresentados pelo Parquet Especial em seu aditamento à denúncia.
4. O art. 190 do Regimento Interno impossibilita a colheita da prova testemunhal no âmbito dos processos na esfera controladora, admitindo, no entanto, que as declarações pessoais de terceiros sejam apresentadas na forma documental.
5. É regular a previsão editalícia que possibilita a apresentação de atestados emitidos por duas entidades de direito público ou privado para comprovação de qualificação técnica, notadamente se fora estabelecida para prestação de serviços distintos.
6. Mostra-se cabível a realização de visita técnica, notadamente se consideradas as peculiaridades do objeto e a impossibilidade de que todas as informações pertinentes e necessárias à formulação das propostas estejam descritas no edital, nos termos da jurisprudência desta Corte.
7. A fixação de cláusula com previsão do preço máximo constitui faculdade concedida ao administrador público, e não uma obrigatoriedade, nos termos do art. 40, X, da Lei n. 8.666/1993 e da jurisprudência desta Casa.
8. É obrigatório que conste dos autos do procedimento licitatório na modalidade pregão orçamento elaborado pelo órgão ou entidade promotora do certame dos bens e serviços a serem licitados, nos termos do art. 3º, III, da Lei n. 10.520/2002, da jurisprudência desta Corte e do Tribunal de Contas da União.
9. Configura erro grosseiro, em consonância com o disposto no art. 28 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – Lindb, subscrever edital de licitação na modalidade pregão sem orçamento da contratação nos autos do procedimento licitatório, contrariando o disposto no art. 3º, III, da Lei n. 10.520/2002.
(Processo 1066549 – Denúncia. Rel. Cons. Subst. Adonias Monteiro. Deliberado em 2/8/2022. Publicado no DOC em 24/8/2022)
DENÚNCIA. LICITAÇÃO. PREGÃO ELETRÔNICO. SERVIÇOS DE COLETA, TRANSPORTE E TRATAMENTO DE RESÍDUOS. UNIDADE DE TRATAMENTO LICENCIADA NO MUNICÍPIO. IRREGULARIDADE. CLÁUSULA RESTRITIVA. ERRO GROSSEIRO. PROCEDÊNCIA. APLICAÇÃO DE MULTA. ARQUIVAMENTO.
1. Segundo o art. 3º, § 1º, inciso I, da Lei n. 8.666/93, é vedado “admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, (…) ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato (…) ”.
2. Erro grosseiro é o que poderia ser percebido por pessoa com diligência abaixo do normal, ou seja, que seria evitado por pessoa com nível de atenção aquém do ordinário, consideradas as circunstâncias do negócio. É aquele que decorre de uma grave inobservância de um dever de cuidado, isto é, que foi praticado com culpa grave.
(Processo 1095355 – Denúncia. Rel. Cons. José Alves Viana. Deliberado em 2/8/2022. Publicado no DOC em 29/8/2022)
EDITAL DE LICITAÇÃO. PREGÃO ELETRÔNICO. LOCAÇÃO DE ARTEFATOS DE ILUMINAÇÃO PARA DECORAÇÃO NATALINA. PRELIMINAR PROCESSUAL DE ILEGITIMIDADE PASSIVA. ACOLHIMENTO. AGENTE QUE NÃO TEVE ATOS IRREGULARES APURADOS. EXCLUSÃO DA RELAÇÃO PROCESSUAL. CUSTEIO DAS DESPESAS COM ILUMINAÇÃO DECORATIVA NATALINA UTILIZANDO RECURSOS PROVENIENTES DA CONTRIBUIÇÃO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DE MULTA. RECOMENDAÇÃO.
A contribuição para custeio da iluminação pública – CCSIP é tributo de arrecadação vinculada, com finalidade específica de iluminação das vias e logradouros públicos, não sendo permitida a utilização dos recursos arrecadados para custear despesas com decoração natalina.
(Processo 1041609 – Edital de Licitação. Rel. Cons. Subst. Hamilton Coelho. Deliberado em 9/8/2022. Publicado no DOC em 2/9/2022)
Resumo: É inconstitucional, por violação ao princípio democrático, norma de Constituição estadual que, a pretexto de disciplinar a dupla vacância no último biênio do mandato do chefe do Poder Executivo, suprime a realização de eleições.
Conforme jurisprudência desta Corte, na hipótese de dupla vacância, no último biênio do mandato, a disciplina sobre o processo de escolha do governador do estado e do prefeito do município compete (a) aos estados-membros e aos municípios, respectivamente, se decorrente de causas não eleitorais; ou (b) à União, se decorrente de causas eleitorais (1).
Assim, muito embora o art. 81, § 1º, da CF/1988 (2) não consubstancie norma de reprodução obrigatória, a autonomia organizacional outorgada às unidades da Federação (art. 25, caput, da CF/1988 c/c o art. 11 do ADCT) não afasta a indispensabilidade da realização de eleições, sejam diretas (regra), sejam indiretas (exceção), pois, no Brasil, os mandatos políticos são exercidos por pessoas escolhidas pelo povo mediante votação.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, em julgamento conjunto, julgou procedentes as ações para declarar a inconstitucionalidade do artigo 41, § 1º, da Constituição do Estado de São Paulo (3) e do art. 72, parágrafo único, da Constituição do Estado do Acre.
ADI 7137/SP, relatora Min. Rosa Weber, julgamento virtual finalizado em 19.8.2022 (sexta-feira), às 23:59
ADI 7142/AC, relatora Min. Rosa Weber, julgamento virtual finalizado em 19.8.2022 (sexta-feira), às 23:59
Resumo: É inconstitucional, por violação ao princípio da simetria e à competência privativa da União para legislar sobre o tema (CF/1988, art. 22, I), norma de Constituição estadual que amplia o rol de autoridades sujeitas à fiscalização direta pelo Poder Legislativo e à sanção por crime de responsabilidade.
Isso porque o art. 50, caput, e § 2º, da CF/1988 (1), que prescreve sistemática de controle do Poder Legislativo sobre o Poder Executivo, configura norma de repetição obrigatória pelos estados-membros, motivo pelo qual a ordem jurídica estadual, seguindo essa lógica, deve referir-se a cargos correspondentes ao de ministro de Estado, ou seja, a secretário de Estado ou equivalente em termos de organização administrativa.
No caso, ao incluírem outras autoridades além de secretários de Estado e dirigentes da Administração Direta diretamente subordinados ao governador, as normas impugnadas desobedeceram ao sistema de repartição de competências previstas constitucionalmente.
Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, em julgamento conjunto, julgou parcialmente procedentes as ações para declarar a inconstitucionalidade das expressões “Presidente do Tribunal de Contas do Estado” e “dirigentes da administração indireta”, constantes do inciso XXIX do art. 28 da Constituição do Estado do Amazonas (2), assim como das expressões “Corregedor-Geral da Justiça”, “Procurador- Geral da Justiça”, “Defensoria Pública” e “dirigentes da administração indireta ou fundacional”, constantes do § 2º do art. 13 da Constituição do Estado de Pernambuco (3). Além disso, o Tribunal deu interpretação conforme a Constituição Federal à expressão “dirigentes da administração direta”, para restringir a possibilidade de sua convocação pela Assembleia Legislativa apenas quando estiverem diretamente subordinados ao governador do estado.
ADI 6640/PE, relator Min. Edson Fachin, julgamento virtual finalizado em 19.8.2022 (sexta-feira), às 23:59
ADI 6645/AM, relator Min. Edson Fachin, julgamento virtual finalizado em 19.8.2022 (sexta-feira), às 23:59
Tese fixada:
“É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se — nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA — a presença do elemento subjetivo — DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 — revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa —, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.”
Resumo:A partir do advento da Lei 14.230/2021 (nova Lei de Improbidade Administrativa – LIA) — cuja publicação e entrada em vigor ocorreu em 26.10.2021 —, deixou de existir, no ordenamento jurídico, a tipificação para atos culposos de improbidade administrativa.
A alteração promovida pelo legislador no texto original da Lei 8.429/1992, no sentido de suprimir a modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, é clara e plenamente válida, pois a própria Constituição Federal delega à legislação ordinária a forma e tipificação dos atos ímprobos, assim como a gradação das sanções constitucionalmente estabelecidas (CF/1988, art. 37, § 4º).
Nada obstante, com o advento da nova lei, o agente público que culposamente causar dano ao erário, embora não mais responda por ato de improbidade administrativa, poderá responder civil e administrativamente pelo ato ilícito.
Por força do art. 5º, XXXVI, da CF/1988, a revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, promovida pela Lei 14.230/2021, é irretroativa, de modo que os seus efeitos não têm incidência em relação à eficácia da coisa julgada, nem durante o processo de execução das penas e seus incidentes.
O princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica (CF/1988, art. 5º, XL) não tem aplicação automática para a responsabilidade por atos ilícitos civis de improbidade administrativa, por ausência de expressa previsão legal e sob pena de desrespeito à constitucionalização das regras rígidas de regência da Administração Pública e responsabilização dos agentes públicos corruptos com flagrante desrespeito e enfraquecimento do direito administrativo sancionador.
Referido princípio baseia-se em particularidades do direito penal, o qual está vinculado à liberdade do criminoso (princípio do favor libertatis), fundamento inexistente no direito administrativo sancionador. Trata-se de regra de exceção que, como tal, deve ser interpretada restritivamente, prestigiando-se a regra geral da irretroatividade da lei e a preservação dos atos jurídicos perfeitos, especialmente porque, no âmbito da jurisdição civil, prevalece o princípio tempus regit actum.
Incide a Lei 14.230/2021 em relação aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência da Lei 8.429/1992, desde que não exista condenação transitada em julgado, cabendo ao juízo competente o exame da ocorrência de eventual dolo por parte do agente.
Diante da revogação expressa do texto legal anterior, não se admite a continuidade de uma investigação, uma ação de improbidade, ou uma sentença condenatória por improbidade com base em uma conduta culposa não mais tipificada legalmente.
Entretanto, a incidência dos efeitos da nova lei aos fatos pretéritos não implica a extinção automática das demandas, pois deve ser precedida da verificação, pelo juízo competente, do exato elemento subjetivo do tipo: se houver culpa, não se prosseguirá com o feito; se houver dolo, prosseguir-se-á. Essa medida é necessária porque, na vigência da Lei 8.429/1992, como não se exigia a definição de dolo ou culpa, muitas vezes a imputação era feita de modo genérico, sem especificar qual era o elemento subjetivo do tipo.
Nesse contexto, todos os atos processuais até então praticados são válidos, inclusive as provas produzidas, as quais poderão ser compartilhadas no âmbito disciplinar e penal, assim como a ação poderá ser utilizada para fins de ressarcimento ao erário.
Os prazos prescricionais previstos na Lei 14.230/2021 não retroagem, sendo aplicáveis a partir da publicação do novo texto legal (26.10.2021).
Isso se dá em respeito ao ato jurídico perfeito e em observância aos princípios da segurança jurídica, do acesso à Justiça e da proteção da confiança, garantindo-se a plena eficácia dos atos praticados validamente antes da alteração legislativa.
Com efeito, a inércia nunca poderá ser caracterizada por uma lei futura que, diminuindo os prazos prescricionais, passe a exigir o impossível, isto é, que, retroativamente, o poder público — que foi diligente e atuou dentro dos prazos à época existentes — cumpra algo até então inexistente. Por outro lado, a teor do que decidido pela Corte no Tema 897 de repercussão geral, permanecem imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na LIA.
Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, ao apreciar o Tema 1.199 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário para extinguir a ação, e, por maioria, acompanhou os fundamentos do voto do ministro Alexandre de Moraes (relator). Vencidos, parcialmente e nos termos de seus respectivos votos, os ministros André Mendonça, Nunes Marques, Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.
ARE 843989/PR, relator Min. Alexandre de Moraes, julgamento finalizado em 18.8.2022 Informativo STF 1065/2022
Não é possível a condenação de prefeito ao ressarcimento de valores despendidos na realização dos trabalhos desenvolvidos com vista à elaboração de Projeto de Lei, na hipótese em que o ato administrativo encaminhado à Câmara Municipal desconsidera a legislação vigente, e é praticado com desvio de finalidade.
Informações do Inteiro Teor: A controvérsia diz respeito à possibilidade de condenar o chefe do Poder Executivo Municipal ao ressarcimento de valores despendidos na realização dos trabalhos desenvolvidos com vista à elaboração de Projeto de Lei, quando o ato administrativo encaminhado à Câmara Municipal, com vista à desafetação e venda de área pública, desconsidera a legislação vigente e há provas da ocorrência de desvio de finalidade.
Na espécie, o ex-prefeito foi condenado em ação popular à devolução dos valores despendidos na realização dos trabalhos desenvolvidos com vista à elaboração do Projeto de Lei que gerou Lei que transformou bem público de uso especial em dominical, autorizando a sua venda, diante da desafetação em desconsideração à legislação vigente e com desvio de finalidade.
Porém, o dano supostamente causado pelo réu, corrigido nesta ação, foi aquele provocado ao patrimônio histórico e cultural da cidade de São Paulo, em razão do alegado desvio de finalidade provocado pelo réu. É com esta lesão que o demandado mantém vinculação direta e necessária, e é por ela que é juridicamente responsável.
Entretanto, a partir do momento em que deflagra o processo legislativo, a tramitação em si do projeto de lei não ofende nenhum bem jurídico tutelado em abstrato, ou seja, não provoca dano. No máximo, a movimentação da máquina estatal implica custo econômico, relacionado ao regular exercício de atribuições típicas da Administração. Mas custo não é sinônimo de dano.
Mesmo se pudesse falar em dano, prevalece no Brasil, dentre as diversas teorias da causalidade, a da causa direta e imediata (teoria da interrupção do nexo causal), especialmente em razão do disposto no art. 403 do CC/2002. Nesse cenário, o elemento anterior ao dano deve se apresentar como único e necessário para provocar direta e imediatamente o resultado.
A conduta direta e imediata do demandado apresenta nexo causal apenas com a deflagração do projeto de lei. O rumo que este (o projeto) tomou depois não tem mais relação direta com aquela (a deflagração). Isto é, a partir da conduta do recorrente, múltiplos destinos poderiam ser vividos: rejeição imediata do projeto; tramitação mais célere; tramitação mais vagarosa; envio a distintos órgãos da casa legislativa; participação ou não da sociedade etc.
Assim, ainda que se falasse em "dano" quanto à tramitação do projeto de lei, este não teria relação direta e imediata com a conduta do ex-prefeito, mas sim seria decorrente da concomitância de outras causas e eventos, inclusive oriundos da conduta de terceiros (os membros da casa legislativa municipal).
AREsp 1.408.660-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 16/08/2022.
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 111/2020 do Município de São Sebastião do Oeste. Dispõe sobre o plano de cargos, carreiras e vencimentos dos servidores do Poder Executivo municipal. Ingerência do Poder Legislativo no Poder Executivo. Inocorrência. Pedido julgado improcedente.
- Não se exclui a possibilidade de o Poder Legislativo apresentar emendas aos projetos que sejam de competência exclusiva do Poder Executivo, desde que as alterações não impliquem aumento de despesas e que guardem afinidade lógica com a proposição original, assim não há que se falar em vício de iniciativa ou violação ao princípio da separação e independência entre os poderes.
(TJMG - ADI 1.0000.20.502086-0/000, Relator: Des. Antônio Carlos Cruvinel, Órgão Especial, j. em 4/8/2022, p. em 4/8/2022).
Ementa: Apelação cível. Administrativo. Servidora pública estadual. Efetivação. Lei complementar nº 100/2007. Modulação dos efeitos. Desligamento. FGTS. Pagamento. Cabimento. Contratação temporária. Temas 612 e 916 de repercussão geral do STF. Nulidade reconhecida. FGTS devido. Recurso desprovido.
- O STF, no julgamento do Tema nº 612 de sua Repercussão Geral, firmou a tese de que, "nos termos do art. 37, IX, da Constituição Federal, para que se considere válida a contratação temporária de servidores públicos, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a contratação seja indispensável, sendo vedada para os serviços ordinários permanentes do Estado que estejam sob o espectro das contingências normais da Administração".
- Ausente qualquer dos requisitos, é nula a contratação.
- O Tema nº 916 consignou que a desconformidade com os preceitos do art. 37, IX, da Constituição Federal não gera quaisquer efeitos jurídicos válidos em relação aos servidores contratados, além do direito ao recebimento do salário e do recolhimento do FGTS.
- Ainda que reconhecido o direito material, permanece a incidência da Súmula 85 do STJ, no tocante às parcelas que precedem os cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação. Recurso desprovido.
(TJMG – Apelação cível 1.0000.22.118795-8/001, Relator: Des. Carlos Levenhagen, 5ª Câmara Cível, j. em 18/8/2022, p. em 18/8/2022).
Licitação. Competitividade. Restrição. Exigência. Escritório. Local.
É irregular a exigência de que o contratado instale escritório administrativo, ou outro tipo de estrutura física, em localidade específica sem a demonstração de que tal medida seja imprescindível à adequada execução do objeto licitado, devido ao potencial de restringir o caráter competitivo da licitação, afetar a economicidade do contrato e ferir o princípio da isonomia (art. 3º, caput e § 1º, inciso I, da Lei 8.666/1993 e arts. 5º e 9º, inciso I, alíneas a, b e c, da Lei 14.133/2021).
Direito Processual. Parte processual. Interessado. Habilitação de interessado. Lesão a direito. Licitação.
O deferimento de pedido de ingresso nos autos, na qualidade de interessado, somente deve ocorrer quando comprovada razão legítima para intervir no processo. A mera participação em licitação não gera direito subjetivo que possa ser lesado por eventual deliberação do TCU.
Finanças Públicas. Orçamento da União. Receita orçamentária. Bens imóveis. Integralização. Fundo de Investimento Imobiliário. Transparência. Consulta.
A integralização de imóveis em cotas de fundos de investimento imobiliário (FII) é espécie sui generis de transação, que não requer nem dotação e execução orçamentária, nem previsão e reconhecimento de receita orçamentária, devendo-se, entretanto, observar: (i) a obrigatoriedade de constar da Lei Orçamentária Anual quando houver eventual aporte de recursos financeiros; e (ii) o registro da receita orçamentária pelo menos no recebimento dos rendimentos pagos pelo fundo e na realização ou vencimento das cotas de participação pertencentes à União. A transparência desse tipo de transação deve ser assegurada mediante registro em contas patrimoniais específicas e disponibilização de informações nos balanços da União.
Licitação. Serviços contínuos. Serviço de transporte. Veículo. Locação (Licitação). Motorista. Pequena empresa. Microempresa. Simples nacional.
Em licitação que tem por objeto a prestação de serviços de transporte mediante a locação de veículos com motoristas, em que a locação é o componente principal do serviço e a mão de obra tem caráter acessório e instrumental, é possível a participação de microempresa ou empresa de pequeno porte optante do Simples Nacional, não sendo necessário que ela, caso contratada, promova sua exclusão desse regime tributário.
Acórdão 1778/2022 Plenário (Pedido de Reexame, Relator Ministro Jorge Oliveira)
Responsabilidade. Convênio. Gestor sucessor. Omissão no dever de prestar contas. Ministério Público. Representação. Ação judicial.
O ingresso com representação perante o Ministério Público ou a propositura de ação judicial contra o prefeito antecessor, como medidas legais visando ao resguardo do patrimônio público (Súmula TCU 230), sem comprovação da impossibilidade de acesso aos documentos necessários à prestação de contas dos recursos transferidos, não afasta a responsabilidade do prefeito sucessor pela omissão no dever de prestar contas.
Acórdão 1781/2022 Plenário (Recurso de Revisão, Relator Ministro Antonio Anastasia)
Convênio. Organização social. Assistência à saúde. SUS. Legislação. Contrato de gestão.
A Lei 9.637/1998, e não a Lei 13.019/2014, é a norma de regência a ser aplicada aos ajustes cujo objeto envolva parceria e fomento à atuação do setor privado sem fins lucrativos para a prestação de serviços de caráter complementar no SUS, sendo o contrato de gestão a única forma de se firmar a parceria entre as organizações sociais e o setor público.
Acórdão 1786/2022 Plenário (Representação, Relator Ministro-Substituto Weder de Oliveira)
Direito Processual. Prazo. Recolhimento. Débito. Princípio da boa-fé. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Analogia.
Ainda que não reconhecida a boa-fé do responsável, mas diante de circunstâncias práticas que tenham condicionado a sua ação, e desde que não existam outras irregularidades, é possível a fixação de novo e improrrogável prazo para o recolhimento do débito (art. 202, § 3º, do Regimento Interno do TCU), com base na aplicação, por analogia, do art. 22, § 1º, do Decreto-lei 4.657/1942 (Lindb).
Acórdão 4245/2022 Primeira Câmara (Tomada de Contas Especial, Relator Ministro Vital do Rêgo)
Convênio. Prestação de contas. Impossibilidade. Documentação. Força maior. Comprovação. Princípio da ampla defesa.
A ocorrência de grave enchente no município, não havendo prova acerca da destruição da documentação arquivada na prefeitura, não comprova, por si só, a impossibilidade ou a dificuldade na prestação de contas dos recursos do convênio, e, portanto, a existência de prejuízo à ampla defesa que justifique que as contas sejam consideradas iliquidáveis.
Acórdão 3913/2022 Segunda Câmara (Tomada de Contas Especial, Relator Ministro-Substituto Marcos Bemquerer)
Pessoal. Quintos. Requisito. Regime estatutário. Vínculo. Cargo efetivo. Cargo em comissão. Marco temporal.
É ilegal a concessão de quintos ou décimos a servidor que exerceu cargo em comissão ou função de confiança sem vínculo efetivo com a Administração Pública e que ingressou em cargo efetivo a partir de 25/11/1995, início da vigência da MP 1.195/1995, convalidada pela Lei 9.624/1998, norma que restringiu a incorporação de quintos a titular de cargo efetivo regido pela Lei 8.112/1990.
Acórdão 3917/2022 Segunda Câmara (Aposentadoria, Relator Ministro-Substituto Marcos Bemquerer)
Convênio. Execução financeira. Nexo de causalidade. Conta corrente específica. Saque em espécie. Prova (Direito). Lei Rouanet.
A realização de saques em espécie diretamente da conta bancária específica não constitui óbice intransponível à comprovação do nexo de causalidade entre as receitas e as despesas realizadas na execução de projeto celebrado com base na Lei 8.313/1991 (Lei Rouanet). Contudo, nessa situação, torna-se necessária a apresentação de provas que demonstrem que os recursos foram destinados ao objeto pactuado e que houve compatibilidade entre as datas dos documentos de despesa e dos respectivos saques.
Acórdão 3930/2022 Segunda Câmara (Tomada de Contas Especial, Relator Ministro Bruno Dantas)
Pessoal. Função de confiança. Requisito. DPU. Remuneração. Reserva legal. Consulta.
É necessária lei em sentido estrito para estabelecer a remuneração pelo exercício da função comissionada de Defensor Público-Chefe da Defensoria Pública da União (art. 15 da LC 80/1994), não sendo possível suprir eventual lacuna legal por meio de ato administrativo, pois a fixação e a alteração do sistema remuneratório dos servidores públicos são submetidas ao princípio da reserva legal (art. 37, inciso X, da Constituição Federal).
Licitação. Registro de preços. Cabimento. Adesão à ata de registro de preços. Estado-membro. Município. Contrato administrativo. Aproveitamento. Vedação. Consulta.
Não é juridicamente possível o aproveitamento, por órgão federal, de contrato já firmado por órgão estadual ou municipal. O único instrumento legal que possibilita determinado órgão se beneficiar de licitação realizada por outro é a adesão a ata de registro de preços, no âmbito do Sistema de Registro de Preços (SRP); porém é vedada, pelo art. 22, § 8º, do Decreto 7.892/2013 e pelo art. 86, § 8º, da Lei 14.133/2021, aos órgãos e entidades da Administração Pública Federal a adesão a ata de registro de preços gerenciada por órgão ou entidade estadual, distrital ou municipal.
Licitação. Registro de preços. Cabimento. Estado-membro. Município. Compartilhamento. Princípio da publicidade. Consulta.
É possível a realização de licitação compartilhada entre órgão federal e órgão estadual ou municipal, utilizando-se o Sistema de Registro de Preços (SRP) ou não; devendo-se, para tanto, promover o mesmo nível de publicidade requerido para as licitações em âmbito federal, com cada órgão gerenciando, acompanhando e fiscalizando seu próprio contrato, o que inclui o pagamento direto, pelo órgão federal, à empresa contratada, sem a necessidade de intermediação do órgão estadual ou municipal.
Pessoal. Ressarcimento administrativo. Dispensa. Pensão civil. Má-fé. Omissão.
Configura má-fé do interessado a omissão de informação sabidamente relevante com a intenção de induzir a erro a Administração na concessão de benefício pensional. Nesse caso, não se aplica a Súmula TCU 106, ensejando a obrigatoriedade de devolução ao erário de toda a importância indevidamente recebida.
Acórdão 4477/2022 Primeira Câmara (Recurso de Reconsideração, Relator Ministro Bruno Dantas)
Pessoal. Ressarcimento administrativo. Decisão judicial. Revogação. Princípio da boa-fé. Marco temporal.
A partir do momento em que o órgão competente toma conhecimento da desconstituição da decisão judicial que assegurava o recebimento de vantagem remuneratória pelo interessado, caso os pagamentos persistam, não mais se considera a boa-fé na percepção da vantagem tida por irregular, o que enseja a devolução dos valores indevidamente recebidos, conforme a parte final do disposto no enunciado da Súmula TCU 106, mediante a instauração de processo administrativo que assegure o direito ao contraditório e à ampla defesa.
Licitação. Consórcio. Poder discricionário. Vedação. Justificativa. Empresa estatal.
A opção de vedar a participação de consórcios em licitação realizada por empresa estatal, apesar de não prevista expressamente na Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais), insere-se na esfera de discricionariedade do gestor, com fundamento nos princípios da motivação e da competitividade. Contudo, demanda a apresentação de justificativas técnicas e econômicas que a respaldem.
Licitação. Parcelamento do objeto. Poder discricionário. Subcontratação. Viabilidade técnica. Justificativa.
A viabilidade técnica e econômica da subcontratação de determinada parcela do objeto não significa a obrigatoriedade da adoção do parcelamento na licitação, pois há hipóteses em que a celebração de um único contrato se mostra a opção mais adequada para o atendimento do interesse público e das necessidades da Administração, ainda que eventualmente parte dos serviços, de caráter acessório, seja realizada por empresa subcontratada, circunstância que deve ser devidamente justificada no processo da contratação.
Direito Processual. Acórdão. Anulação. Nulidade. Citação. Parcialidade.
É possível a declaração de nulidade apenas parcial de acórdão condenatório, por vício insanável na citação de um dos responsabilizados, quando não resultar em prejuízo aos demais responsáveis.
Acórdão 4543/2022 Primeira Câmara (Recurso de Reconsideração, Relator Ministro Walton Alencar Rodrigues)
André Gustavo de Oliveira Toledo
Gabriela de Moura e Castro Guerra
Isabelle Gordiano Rodrigues