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Webinário reúne especialistas em busca de um final feliz

27/05/2021

Em algum lugar do sertão, uma senhora levou o filho de 5, 6 anos para visitar uma comadre, mais abastardada e com posses bem diferentes do que o garoto estava acostumado a ver. No final da tarde, de volta à humilde residência, a senhora percebeu que o menino tinha levado consigo um dos brinquedos industrializados dos rebentos da casa que tinham passado o dia. Sem brigar com o moleque, na manhã seguinte, os dois voltaram ao lar da comadre e a mãe explicou que, talvez por engano ou até por inocência, o menino havia levado o brinquedo embora. Se consolidou ali um elo de confiança e fortificou a amizade. E, por fim, a comadre entendeu que até poderia presentear a criança com aquele objeto.
O conto das duas senhoras, narrado pelo conselheiro do Tribunal de Contas do Rio Grande do Norte, Antônio Gilberto de Oliveira, foi o pontapé para das início às apresentações do Webinário Desafios para Aplicação da Justiça Restaurativa nos Órgãos de Controle. O evento foi realizado hoje, 27 de maio, pela Secretaria da Corregedoria do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCEMG), pelo canal da TV TCE. 

O próprio Antônio Gilberto, que também é presidente do Comitê Técnico das Corregedorias, Ouvidorias e Controle Social do Instituto Rui Barbosa (IRB), deu o moral da história: nem sempre com castigo se resolve o problema.

Idealizador do encontro, antes de passar a fala aos palestrantes convidados, o corregedor do TCE mineiro, Durval Angelo, citou o amigo pessoal Leonardo Boff para lembrar que “as tragédias dão-nos a dimensão da inumanidade de que somos capazes. Mas também deixam vir à tona o verdadeiramente humano que habita em nós, para além das diferenças de raça, de ideologia e de religião. E esse humano em nós faz com que juntos choremos, juntos nos enxuguemos as lágrimas, juntos oremos, juntos busquemos a justiça, juntos construamos a paz e juntos renunciemos à vingança”.

O objetivo do webinário foi criar um lugar de discussão e oportunidade para conhecer ferramentas que possibilitam um espaço de diálogo e efetiva reparação de danos no âmbito de atuação dos órgãos de controle, através da justiça restaurativa.

Apesar das práticas de negociação, restituição e reconciliação já serem vivenciadas desde os tempos da Idade Média e, a partir da década de 1970, terem sido sistematizadas em cortes nortes americanas, o conceito de Justiça Restaurativa ainda é uma novidade para os tribunais de contas. Dessa forma, o conselheiro Durval Angelo, junto da secretária da Corregedoria Flávia Ávila, pensaram em uma forma de levantar o tema e difundir os princípios e objetivos, já que o modelo pode potencializar a ação dos órgãos de controle. 

A segunda convidada a falar foi a desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado (TJMG) Márcia Maria Milanez. Ela explicou que “a essência da justiça restaurativa é uma resolução de conflitos de forma colaborativa, tratando-se de um procedimento de consenso”.

Se, por algum descuido, alguém acessasse a videoconferência no momento da fala da desembargadora, poderia, facilmente, achar que se tratava de um sarau de poesia virtual. Milanez declamou, aliás, pontuou características inerentes à justiça restaurativa. “Respeito! Todo homem é digno de respeito. O respeito mútuo gera confiança e boa fé dos participantes. Honestidade. A fala honesta é essencial para se fazer justiça. Humildade. A justiça restaurativa trabalha com a falibilidade e a vulnerabilidade do ser humano. Interconexão. A justiça restaurativa reconhece os laços que unem vítimas e opressor. Ambos pertencem a mesma sociedade, onde as pessoas estão interligadas por uma rede de relacionamentos. Responsabilidade. É preciso que aquele que causa algum dado tenha obrigação moral de aceitar a responsabilidade pelo ato praticado. Empoderamento. A justiça restaurativa devolve à vítima um papel ativo para que ela determine as suas necessidades e como elas devem ser satisfeitas. O mais importante, entendo eu, a esperança, a esperança é uma cura para a vítima e uma mudança de atitude para ofensor. Aquele que sofreu um dado precisa preparar-se para a vida no futuro”.
 
Sabedoria materna

Fazendo um paralelo entre as palavras que dividem o mesmo radical, a professora de Direito da PUC Minas, Edilene Lôbo, afirmou que o termo “crise” não deve nos impressionar, já que dele se oportuna a palavra “crisalida”, que dá origem às borboletas. Em um momento menos lúdico, Lôbo afirmou que há uma crise cada vez mais acentuada e acelerada no sistema de justiça brasileiro. “(O padrão atual) deposita toda a possibilidade de pacificação, de distribuição de justiça e de proteção aos bens da vida na pena. É evidente que esse modelo punitivo pertence à um paradigma superado, autoritário e que não serve em tempos presentes em que se deve à tônica do diálogo, da solidariedade e da proteção da cidadania”. Lôbo também aponta que que o sistema passa a sensação de que a eficiência, celeridade, eficácia e economicidade não tem sido atingida.

Defensora da justiça restaurativa, a professora disse que a alternativa traz garantias e proteção aos excessos que podem ser impostos pelo Estado. Além da ampliação da possibilidade de argumentação, da defesa, do contraditório, da dialética, o modelo também coloca o conflito sobre tratamento.

Fora do âmbito jurídico, Lôbo julga possível a implementação da mediação em tribunais de contas, como uma opção, sem deixar de proteger os bens públicos, eventualmente atingidos por ações ou omissões de terceiros, sejam de agentes públicos no seio do Estado seja de particulares em colaboração com a administração pública. Edilene parafraseou a própria mãe para finalizar a participação: “Menos do que pegar uma borboleta, o que importa mais é cuidar do jardim. Encontrar alternativas sem penalizações é cuidar do jardim”.

Para alcançar a torre do castelo

A última participante da tarde, a promotora de justiça do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Danielle Guimarães, ressaltou a importância de se formar uma mesa de debate sobre o assunto com outras duas mulheres, já que o princípio do modelo é a igualdade, sem definições hierárquicas ou distinção de gênero. Guimarães sugere que a justiça restaurativa é uma filosófica que enfatiza a cura e a responsabilidade em reparar danos, promovendo o encontro dos lados envolvidos em um caso para encontrar uma solução para atender a necessidade da pessoa que sofreu o dano, da pessoa que causou o dano e da comunidade. O modelo também tem o aspecto de ser preventivo, já que se preza a precaver violências, criando comunidades mais entrelaçadas, empáticas e compassivas. Como um terceiro lado, o formato tem características transformadoras, que pretende promover uma melhoria social para todos.

Segundo Danielle, os tribunais de contas devem considerar a implementação da filosofia de justiça, já que é constitucional prevê a aplicação de solução pacífica de controversa, além de ser um recurso democrático e que preserva a dignidade da pessoa humano, entre outros princípios.

Embora saiba que a instalação de um novo modelo de resolução pode ser um desafio, a promotora terminou a apresentação convidando todo mundo a enxergar como a vitória de um obstáculo como um novo começo ou um "felizes para sempre".
 
Você pode assistir ao webinário, na íntegra, aqui.
E também assistir à matéria sobre o evento na TV TCE.

 
Fred La Rocca | Coordenadoria de Jornalismo e Redação